quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Observação apurada

Final de tarde singela naquela cidade. Choveu durante todo o dia, aliás, a chuva não deu trégua por dias. Ruas molhadas, escorregadias (passeios e calçamentos em pedra sabão), faziam com que as pessoas não circulassem sem que houve extrema necessidade.
Ela não gostava de ter que andar a pé naquela cidade. Na verdade, se pudesse, compraria um carro bem resistente para a sua locomoção. Mas não podia, o pouco que ganhava em sua bolsa de trabalho (conseguida após uma emocionante entrevista com o responsável pelo setor) não supria nem a metade de suas necessidades.
A moça possuia certos rituais adquiridos ali. Se chegasse em casa, destrancava o primeiro portão, passava e em seguida, olhava para todos os cantos do portão antes de trancá-lo. Ela fazia sempre isso por um motivo (para muitos) banal: havia uma lagartixa enorme e bem transparente que habitava aquela área.
Todos os dias eram sempre assim... passava, olhava e trancava. Esqueci de citar a mesma preocupação ao ascender a luz da escada. 
Certa tarde, ela vinha andando pelas ruas e pensando como iria fazer para que suas roupas secassem, pois, com a chuva em excesso e a umidade da cidade não contribuíam em nada para esse sucesso. Puxou as chaves do bolso, começou a seguir o seu pequeno ritual. Tudo certo. Trancou o portão, agora só faltava a última verificação quanto ao redor do botão da luz e... saltou escada abaixo assim que seus olhos se prenderam em uma imagem assustadora! A lagartixa nessas horas se tornara o menor detalhe... ela não acreditava no que havia visto e ainda permanecia ali... um escorpião!
Gritou tão fino e correu. Abriu o segundo portão sentindo cada parte de seu corpo tremer. 
Ela nunca poderia ter imaginado viver isso. Esse "ser" era conhecido por ela apenas pelas reportagens de tv e revistas, nada mais. Agora ele estava pregado em sua parede, comandando cada movimento.
Chamou por uma vizinha. A outra moça já era até acostumada com os apelos de ajuda. Sempre adentrava em sua kitnet para matar aranhas (outro grande susto pelo tamanho dessas danadinhas...) que mais pareciam monstros pretos e gordos. 
Quando a moça explicara à sua vizinha o fato ocorrido, as duas seguiram para uma parte da escada e ficaram ali, cerca de dez minutos ou mais, sentiam nervoso e medo. O escorpião continua imóvel na parede e elas imóveis na escada.
Não havia mais ninguém (nenhuma presença masculina) que pudesse resolver aquele incômodo. 
Arquitetaram um plano: enquanto uma das moças subiria para abrir o portão, a outra tomava conta do ser. Assim fizeram. Medo... coração acelerado! Ela se propôs a subir e assim fez. Abriu com rapidez o portão que a separava da rua e correu. Olhou para os dois lados da rua e percebera a presença de dois homens que aguardavam o ônibus.
Sem maiores rodeios, a moça perguntou se um deles poderia matar o tal escorpião. Ele sorriu e aceitou acompanhá-la. Com uma forte pisada o homem conseguiu esmagá-lo.
Alívio... receio de outros possam aparecer. Promessas de tapetes nas portas para impedir a passagem.
Despediram-se. A vizinha voltou a fazer janta. E ela... bem... ela esquentou uma água para fazer um chá calmante e logo tratou de telefonar para os seus entes queridos para contar em detalhes aquela experiência.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Benfeitorias humanas

Ela passara o dia de domingo refletindo. Não quis descer a rua e almoçar junto aos colegas. Preparou uma pequena porção de arroz, salada e macarrão com molho branco (uma de suas iguarias prediletas) e comeu sem maiores preocupações com a quantidade de calorias que pudessem lhe proporcionarem aumento de peso.
Queria e precisava emagrecer, mas perante essa mudança brusca de lugar e vida, ela não obtinha sucesso em seus planos.
Olhou pela janela e procurou pensar em pequenas alegrias. Lembrou-se que ainda não entrara na igreja católica matriz daquela cidade. Imaginou ser um lugar bonito, tratando-se da forte presença barroca. Preparou-se e saiu. Ela sentiu cansaço. Precisava descer ladeiras e ainda muitos degraus para se chegar. Valeria a pena, pensava ela.
A igreja era imponente, alta e cheia de ornamentos ao redor da porta. Ela já estava satisfeita apenas com o que vira até ali. Mas entrou na igreja modestamente, tímida (ela detesta entrar sozinha nos lugares) e logo se acomodou em um dos últimos bancos.
Elevou os olhos em direção ao teto. Anjos e santos em perfeita sintonia. Ela impressionou-se com a riqueza de detalhes nas feições daqueles seres.
Olhou ao seu redor. Tudo estava impecável. A cor dourada é mesmo impactante, pensou ela. Nada estava ali por simples enfeite ou vaidade (apesar dela reconhecer o sofrimento de muitos escravos para essa construção).
O altar central estava todo iluminado. Lustres pesados e cheios de brilho.
Tudo estava brilhando, até mesmo o seu pensamento. Era como se ela estivesse se transportando ao tempo de sua construção. Imaginou-se com aqueles vestidos compridos. Sorriu. O sacerdote fizera a saudação inicial. 
Ela precisou se recompor. Estava tão fascinada com tudo o que se encontrava bem na frente dos seus olhos, que seria difícil se concentrar ao ritual eucarístico.
Ao término da celebração, ela se ajoelhou por alguns minutos em um dos primeiros bancos. Agradeceu por mais um dia de vida, pela família, pelo curso e pelo mundo. Estava feliz e realizada.
Levantou-se, caminhou até a saída e fez uma merecida reverência ao seu Senhor.
Ao sair da igreja, novamente se voltou à realidade: precisava andar um bom pedaço de chão para retornar a sua casa. Suspirou. Sentia-se alimentada. As palavras de Deus lhe serviram mesmo como alimento.
As imagens daquele lugar passavam em sua mente como um delicado filme. Queria permanecer ali por mais tempo. Precisava voltar.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A primeira República a gente nunca esquece!



Ela não queria ir, mas precisava. Após a sua conquista mais recente (algumas amizades de sala), ela precisava estabelecer contato, viver realmente a faculdade. Era aniversário surpresa da tal amiga "colorida e esquisita" e ela estava mesmo curiosa em conhecer a habitação desta pessoa.
Arrumou-se um pouco. Saiu de casa desejando passar momentos agradáveis no lugar ao qual ainda não conhecia. Encontrou o endereço sem maiores dificuldades. A sua presença foi alarmada por outras colegas de sala, descrentes que antes dela estar ali, naquela cidade, a moça saia para se divertir com os amigos.
Ela foi acolhida com carinho na tal república. Neste lugar moravam além da aniversariante, mais cinco colegas de sala! 
A casa estava toda enfeitada. Mensagens coladas nas paredes e um bolo grande de chocolate (hum, ela adorou a visão).
Prestava atenção nas horas, não queria chegar tarde em casa. Sentia certo medo em andar sozinha. Outros colegas de sala apareceram, inclusive um, que a moça jurava ser verdade que ele namorava com a colega (colorida). Ela se enganou, a colega possuia um namorado (tão esquisito a principio).
Esperou os parabéns, depois de ver o bolo, não poderia sair de lá sem provar um pedaço!
Conversaram sobre tudo. A colega disse estar contente em ter a presença da moça em seu aniversário, tendo em vista a luta que todos travavam ao tentarem fazer com que a moça saisse de casa. Ela nunca aceitava.
O relógio marcava 21 hrs. Parecia criança ou adolescente que precisava chegar neste horário em casa... mas ela não ligava. Já havia se divertido. Estava feliz demais. 
Em casa, ela recordava cada passo que dera até adentrar na república. Estava orgulhosa por isso. O namorado telefonou e pela voz, não sentira a mesma empolgação que ela sentia. Nem sei ao certo a razão do registro das atitudes desse namorado, mas no fundo, eu (assim como ela) sei que devo fazer, para que no futuro entendam as razões que somente o tempo conhece.
No dia seguinte, antes da aula começar, os comentários giravam em torno da ilustre presença da moça em uma república. Ela agora estava mesmo enturmada com a maioria dos colegas. Apenas uma ou outra pessoa ela não se sentia a vontade de revelar segredos ou questões que a incomodavam.

O que era esquisito torna-se compreensível

A vida é mesmo uma caixinha de surpresa. Ela estava ainda com saudade de sua casa, seus objetos pessoais, seu pequeno quarto... sentia saudade de sua vida!
Os dias passavam lentamente. Tardes de sol não significavam bom tempo... isso ela concluíra após inúmeros banhos de chuva e ventanias que apareciam sem qualquer aviso. Não lidava bem com sombrinha, sempre esbarrava nos  muros e nas pessoas, mas ali, naquela cidade, ela iria precisar deste acessório se não quisesse ter suas roupas encharcadas.
Ela nunca gostou do clima europeu daquela cidade. Na verdade ela só gostava mesmo do ceu daquela cidade. Aulas a esperavam. Trabalhos em grupo não era a sua preferência na faculdade, sempre sobravam as maiores lições para que ela fizesse. Sem contar algumas colegas que, seja por preguiça ou por falta de interesse, deixavam todo o conteúdo de pesquisa para que a moça realizasse sozinha.
Existem professores e "professores". Ela aprendera isso rapidamente na faculdade. Existiam aqueles sempre disponíveis, abertos ao pleno entendimento estudantil e outros... bem... como ela mesmo diz, parecem que apenas cumprem suas horas de trabalho e rezam para o final de semana chegar!
Ela teve que se adaptar. Ela precisou rever muitos conceitos. Seus princípios cristãos, estavam inabaláveis, ela sempre soube muito bem o que sentia e vivia sob a presença de Deus.
O namorado não aprovava a sua fé. Isso mesmo... dizia que sua crença estava errada, cheia de falhas... acusava sempre que ela, assim como os outros seguidores da Igreja Católica, serviam ao culto de imagens!!! Ele não compreendia. Tempos mais tarde ela compreendera direitinho a razão destas acusações... mas isso ficará para mais tarde. Existem muitos outros assuntos a serem contados com maior ênfase.
Arrumou detalhadamente a sua kitnet para receber duas colegas de sala. Encontrou materiais frescos para a confecção de deliciosos pastéis! Ela gostava de arriscar-se na cozinha... 
Chegaram. Contraste de personas. Uma das moças era tímida e possui um sotaque forte do interior mineiro. Essa moça, segundo ela, acha todo mundo "bonzinho". A segunda moça, colorida ao extremo e cheia de piercing! A tal que ela achava esquisita quando a viu pela primeira vez dentro da sala de aula.
Fizeram o trabalho, discutiram temas interessantes. Partiram para conversarem sobre suas vidas, seus gostos e tudo o que as mulheres adoram falar quando se encontram.
De repente ela percebe que entre elas havia mais coisas em comum do que jamais pudesse ter imaginado. E a tal estranheza desapareceu por completo. Ela se alegrou... enfim encontrara pessoas com as quais poderia compartilhar experiências.
Serviram-se de refrigerante e dos pastéis. Ela estava cada vez mais interessada em descobrir a trajetória de cada uma até ali. Riram muito. Confessaram suas impressões em relação às outras colegas (mulheres...rs).
A colega tímida se serve mais uma vez.Ela oferece mais e mais, sempre gostou de ver o contentamento dos outros. Em seguida,  a moça tímida sente vergonha e diz que já estava comendo demais. Ela gostou, enfim os seus dotes culinários haviam aparecido. Ela pergunta de forma suave: Comeu mesmo? Momentos impagáveis: a moça tímida troca olhares com a outra que, levanta a sobrancelha e fica calada. Não é que essa moça entendera que a anfitriã havia concordado com a sua confissão de ter comido muito? Ela riu muito. Explicou para as colegas que não foi essa a entonação correta e sim que, estava preocupada em satisfazer as visitas!
Riram mais ainda. Ali nascera a amizade entre elas. Essa amizade foi um dos maiores ganhos dessa solitária moça até aquele momento. Quando elas foram embora, a moça foi limpar a cozinha. Relembrou com um sorriso no rosto aquela situação vivida. Nunca mais se esqueceu.



segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Visões privilegiadas

Tarde de sol. calor. Aula prática animada. Suor. Aqueles jovens estavam mesmo em busca... de quê? Não se sabe, mas o que lhes importavam realmente era estarem ali, vivendo aquele sonho em conjunto. A sala, pensava ela, possuia grandes tipos: rapazes esforçados e talentosos, outros ainda em processo de amadurecimento mental, alguns ainda descobrindo onde estavam... e assim seguiam. As moças, bem, como dizem, eram mais maduras e com personalidades distintas: havia aquela que se dizia "natureba", outra preocupada com a dieta rígida, outra considerada pela moça como "estranha" ( e quem poderia dizer que elas se tornariam inseparáveis!) e ainda aquelas estudiosas, sérias e cheias de "não concordo". Ela se divertia com isso tudo. Achava mesmo estar em outro mundo... em breve ela se rende em apelidar aquela cidade de Neverland (Terra do Nunca, do Peter Pan).
Muitas conversas interessantes foram expostas entre aqueles corredores velhos (seu curso ainda não possuia prédio no campus universitário). Após o término da aula, uma pequena turma se reune em frente ao portão principal e se deparam com algo extraordinário, segundo ela.
Um raio solar imponente jogado em direção à uma igreja. Parece bobo ser descrito assim, mas ela e os outros concluiram somente terem assistido aquele recorte de paisagem nos filmes. Um minuto de silêncio. Ficaram abraçados. Uns até renderam graças a Deus por estarem ali, naquele momento. Procuraram uma máquina para registrarem aquilo, mas não conseguiram. Os celulares naquela época serviam apenas para executar as funções básicas.Talvez fosse essa a graça da situação... essa cena ficaria registrada apenas em suas mentes, nada além disso. Essa visão... ela nunca mais se esquecera. Coisas que, segundo palavras dela, vai levar consigo para a eternidade. 
Coisas simples... pessoas simples... mundo... vida!

Quando tudo era calmaria...

A noite naquela cidade estava fria, silenciosa e sem maiores aspectos que pudessem incentivar a moça para continuar andando por sua kitnet. Resolveu tomar um banho bem quente (como sempre preferiu), serviu-se de uma boa dose de chá de camomila e deitou-se. Esperava pelo último capítulo de uma minissérie que tratava do tema amizade. Ela se encantou com esse trabalho desde o seu primeiro capítulo. Seu corpo parecia ser puxado para o chão. Mais tarde essa sensação lhe fora explicada por uma professora que, identificava esse "fenômeno" por motivo da alta presença de minério naquele solo. Fato comprovado, logicamente.
Sua pequena televisão, colocada ao chão (ela ainda não possuia cama) em direção ao seu foco de visão, apresentava chiados e imagens distorcidas. a antena estava quebrada, concluiu ela.
Concentrada em analisar os cuidados de produção com o tratamento da minissérie, ela escuta um barulho em sua janela. Não desvia o olhar da televisão. Parecia um disparo de flash. Um clarão formou-se rapidamente e desapareceu.
Custou a perceber que algo mais grave estava ocorrendo ao seu redor. Logo fora capturada novamente ao encantador final do episódio. Mais uma vez esse clarão... desta vez com mais força e intensidade de volume. Não pensou duas vezes, jogou para longe as cobertas, puxou a tomada da televisão e saiu correndo para fora de casa. 
Antes mesmo de pedir ajuda na kitnet vizinha, sua colega de sala abrira a porta assustada. Ela também ouvira tudo. Disse ter visto quando o "elemento" caiu lá embaixo, no quintal. Sua janela estava aberta. As duas, tremendo e com fortes batidas cardíacas, se dirigiram lentamente em direção à janela. Nada. Tudo escuro. Como pode ser? Pensava ela.
O fato até hoje não fora explicado. O que se fixou em suas memórias foram aqueles segundos de verdadeiro terror. 

sábado, 15 de janeiro de 2011

A multiplicação do espaço

Ela ia se virando para não sofrer naquela cidade tão diferente. Descobriu um cantinho para relaxar e pensar na vida após os longos almoços de domingo no restaurante universitário. Esse lugar era o muro baixo da igreja localizada ao lado da principal praça. Um visual extraordinário, cultura impregnada em todo os ornamentos.
Quando o lugar estava ocupado pelos inúmeros turistas, ela sentia certo ciúme. Era mesmo um lugar especial.
Contentava-se também em sentar nas escadas do monumento em honra ao Tiradentes. Passava horas apenas olhando o movimento daquela pequena cidade. As vezes saia com os seus doces e vendia. Outras, comprava um pequeno sorvete e já se sentia acolhida.
Os novos amigos de sala sempre a convidavam para se distrair em suas casas, em suas repúblicas. Mas ela não sentia ânimo. Na verdade, era desencorajada pelo namorado. Ele dizia que esses lugares não seriam boa influência e que a maioria dos "carinhas" que ali moravam, só estariam interessados em se aproveitarem das "menininhas". Ela não concordava, mas em nome do bom relacionamento (e evitando a eterna falação em seus ouvidos) sempre se desculpava por conta dos afazeres domésticos ou por algum trabalho com o prazo apertado de entrega.
E assim o tempo passava. O seu final de semana, quando não se proporcionava ao luxo de retornar à sua cidade natal, procurava se ocupar com a limpeza exaustiva de sua kitnet. Muitas vezes ela confessa ter deixado de comprar algo mais consistente para se alimentar, pensando em complementar a verba da passagem.
Nunca se imaginou ser dona de casa. Ela se considera uma mulher independente. Não gosta de ficar trancada dentro de casa, nunca gostou. Mas aquele lugar não a incentivava em nada a sair e desbravar tudo ao seu redor.
A grana sempre lhe foi oferecida, por conta do árduo trabalho de costura de sua mãe. Quantas vezes ela surpreendera a sua mãe com um pequeno papel nas mãos calculando se o valor da pensão supriria as contas. Respeitava e admirava demais a sua mãe... sua heroína! Que mulher sábia... 
O final de semana se aproximava e ela já não conseguia  mais economizar os poucos trocados. Com muita timidez e até mesmo vergonha, comentara ao telefone com a sua mãe o acontecido. Havia em seu bolso apenas um  pouco mais do que o dinheiro da passagem de ônibus. Gastaria assim que saísse de casa. Em sua universidade estava acontecendo um evento onde escolas do município e outras interessadas são convidadas a conhecerem os cursos superiores, como incentivo na escolha das profissões. Ela estava escalada na apresentação prática do seu curso, em troca de um certificado de participação.
Entre os escalados, haviam aqueles de sua sala que mais se identificava, ou que pelo menos davam mais atenção a sua presença. 
Começou ajudando na divulgação do curso, distribuindo panfletos. Em seguida, reproduziu com o auxílio de um professor alguns dos exercícios realizados em sala de aula. Como era difícil sentir todos aqueles adolescentes olhando os seus feitos, ela era mesmo tímida fora do palco, da representação.
Lembrou-se de sua situação financeira. A tristeza tomara conta do seu ser. Estava longe de casa, dos amigos e sem dinheiro. O agravante foi que neste dia, diga-se de passagem uma sexta-feira, sua mãe não conseguira depositar diretamente no caixa e sendo assim, seu dinheiro estaria disponível para saque apenas na segunda-feira a tarde. Estremeceu por dentro, não que lhe faltava alimentos em casa, mas precisava de qualquer valor em suas mãos para uma emergência. 
Andou pelo corredor do departamento refletindo o seu estado. Muitas pessoas circulavam por ali. Foi quando, seja por milagre de Deus (pensava ela) ou por "jogo de cintura", ouvia a reclamação de duas professoras em relação aos altos preços de diárias para a acomodação da excursão. Mais que depressa, ela tomou coragem e abordou as professoras... precisava fazer aquilo. Ofereceu-lhes a sua kitnet. Ofereceu-lhes uma diária simbólica em relação aos demais preços, mas para ela, que naquele momento já se encontrava sem qualquer moeda no bolso, serviria como prêmio de loteria.
Não possuia móveis direito. Agora o fogão e a geladeira já estavam em seus devidos lugares. No mais, a kitnet perfeitamente acomodaria, segundo ela, umas 10 pessoas!
A multiplicação ocorrera. Em sua kitnet dormiram 15 pessoas! Mais 8 pessoas se espremeram na kitnet vizinha que estava sob sua responsabilidade. Ela pediu abrigo a uma outra vizinha, prometendo que no dia seguinte bem cedo desocuparia a sua casa. Quantas conversas. Aquelas pessoas tão humildes juntas por uma necessidade... comera um pouco do prato típico da região dos seus inquilinos, mas passara mal (muito tempero e pimenta).
Dinheiro no bolso e felicidade no rosto. Propôs apresentar a cidade, como guia turística. Pagaram-lhe o almoço, compraram-lhe presentes. Ela ainda sonhava com aquilo tudo. Sua mãe ficara impressionada com a sua desenvoltura.
Despediram-se com emoção. Aquelas 21 pessoas sairam da cidade cheias de boas recordações. Ela ficara ali, cheia de biscoitos e presentes. Tomou banho e se arrumou para ir à missa. Precisava dedicar um tempo àquele que lhe protegia.
Ela concluira mais uma lição de vida... Deus conhece os nossos sofrimentos e necessidades!

Pai, o mundo vai acabar?

A primeira kitnet a gente nunca esquece. Essa frase percorria a mente da moça. Dentro do quarto havia um pedaço de papelão, pois, como ela não possuia cama (apenas três colchonetes emprestados pelo seu amigo), ela pedira ao dono para que aquele papelão permanecesse. É, não seria mesmo fácil a sua permanência naquela cidade. Mas tentava se concentrar em seu objetivo maior: fazer a faculdade dos seus sonhos!
Tudo o que possuia caberia facilmente dentro daquele quarto. Um travesseiro, duas cobertas, alguns lençóis e fronhas, um porta garrafa de isopor (suposta geladeira) e uma incrível e resistente televisão de 5 polegadas (preto e branco). Roupas? Apenas as mais esculachadas... não queria se enfeitar, não havia motivo.
O clima daquela cidade era estranho para ela. Muitos turistas se encantavam, dizendo ser um clima "europeu". Até aquele momento não entendia ao certo o verdadeiro significado desta expressão "clima europeu", mas confiava no bom gosto dos visitantes. Para a sua surpresa, ao seu lado, havia uma outra moça que também cursava o seu curso, ou melhor, era sua colega de sala. Sentia-se mais segura com essa presença. 
A primeira noite naquele lugar lhe parecia agradável. O ceu estava encoberto e fazia um pouco de frio. Como ela não possuia fogão (este, assim como a velha geladeira de sua casa) chegariam dentro de alguns dias, mediante a boa vontade do amigo de seu namorado e porque não, a disposição dele também. Não se importava. Apenas gostaria de tomar um chá quentinho e não podia!
O que não tem remédio... bom, arrumou as roupas, escovou os dentes e ligou a tv. Sentiu vontade de chorar, mas essa vontade era pequena tamanho o seu cansaço físico. Adormeceu.
O despertador dera o sinal de vida. Eram 9 hrs da manhã, mas parecia ser bem mais cedo. Ela levantou-se meio que atordoada, seguiu em direção da janela e qual fora a sua agonia? A paisagem havia desaparecido. Tudo... as árvores, o quintal, a vista da cidade... tudo branco! Sentiu uma pontada no peito.
O mundo está acabando? E quanto mais observava aquela "falta de paisagem", mais a cor acinzentada tomava conta de tudo lá fora. Lembrou-se dos filmes de suspense, onde essa mudança brusca de clima e temperatura prenunciava algo sinistro. Ficou estática perante a janela. Nunca havia presenciado aquilo tão de perto. O telefone toca. Tomou um pequenino susto. Sua mãe, atenciosa, perguntava como havia passado a noite. Ela responde a verdade, dormira feito pedra! Em seguida, ela começa a descrever aquilo que estava observando. Realmente, a imagem de sua janela fora se transformando em seu pensamento. O que antes lhe aterrorizou, aos poucos, tornara-se algo magnífico. Um presente de boas vindas. Agradeceu mais uma vez a Deus por lhe proporcionar aquele cenário tão raro. 
Arrumou os seus cobertores, pegou algumas peças de roupas e se dirigiu ao banheiro. Queria se sentir limpa e cheirosa para mais um dia de aula. 

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

"Quando os meus sonhos vi desmoronar, me trouxestes outros pra recomeçar..." (Humano Amor de Deus) (

Eis que a hora da partida se aproxima... o coração mais uma vez acelera! Ela estava pronta, com a mochila cheia e pesada nas costas, mais algumas bolsas de viagem igualmente carregadas de roupas, calçados, alimentos( sim, ela preferia carregar todo o peso a ter de pagar mais caro por produtos e alimentos de baixa qualidade). Ela nunca se considerou uma "perua", mas algum tempo mais tarde é esse o apelido carinhoso que os seus dois amigos (fundadores do Trio Butantan) vieram a lhe chamar.Levava fotos dos amigos, da família e do teatro, sua grande paixão. 
Ela respirava fundo, afinal, já suspeitava que dali em diante, sua vida seria transformada de forma absurda. Segui o seu destino. Remédio contra enjoô e biscoitos salgados. Adormeceu ao som de Roupa Nova. Chegou atrasada na aula. Foi preciso descer na rodoviária, subir ao bairro que o seu amigo (aquele que lhe fornecera a kitnet) e despejar toda a sua bagagem. Ah, consta registrar que, entre essas bagagens, haviam também brigadeiros e pirulitos de chocolates que ela e sua mãe se dispuseram a fazer para contribuir nas despesas.
Separou uma pequena quantidade das duas guloseimas e correu para a aula. 
A turma era formada por 15 moças e apenas 5 rapazes. Ela estava calada, triste... sozinha! Aos poucos, foi se acomodando em um canto da sala e esperava... 
Muitos riam. Conversavam animadamente sobre as festas e as pessoas que já haviam conhecido até ali. Ela não compartilhava destas conversas, não ficara naquela cidade em nenhum dos três dias de prova do vestibular, sempre fazia o retorno para a capital. Não estava ali para festas, pensava ela. Na verdade, ela não estava nem aí para nada que se remetesse àquela cidade. Rezava para que o final de semana chegasse rápido e só. Sua mãe e seu namorado estiveram lá, em busca de um lugar para que ela vivesse. Ela não pensou em morar com outras pessoas. Sempre teve a consciência de que se fosse para dividir casa com mais mulheres, com certeza seria acusada de assassinato!
Ela aprendera a primeira lição de vida naquele lugar: cidades históricas são exploradoras! Nossa, por pouco menos de um salário mínimo não conseguiria alugar nada... e ainda mais depois do "grande" incentivo de sua amiga ( aquela da casa de boneca velha), que agora decidira morar em um lugar detestável e assustador (um ex-butequim). Seu namorado era um fresco de marca maior. Não suportava nada fora do lugar, sentia coceira no nariz por qualquer mudança de clima...rs... sofrera naquele final de semana. Foi-se. Teve que ir trabalhar. Apenas a mãe agora lhe fazia companhia. O amigo aparecia vez por outra na kitnet dele para pegar outras roupas. Deus lhe enviara na vida daquela moça. Nunca reclamou pelo espaço concedido... ela permanecera lá por quase duas semanas! Após o terceiro dia de longas caminhadas, subindo e descendo ladeiras feito escravas, uma indicação valiosa. Uma recepcionista que se encontrava do lado de fora da pousada, revela à ela e sua mãe que mais a frente, bem mais a frente, haveria um local para se alugar. Elas subiram com certo cansaço, mas colocando as decisões nas mãos de Deus. Ele proporcionou a vitória dela no vestibular, agora precisamos que ela permaneça aqui, pensava a mãe.
Chegaram ao local indicado. Uma construção inacabada, com uma pequena placa de "alugo". Riram. Onde ficaria esse lugar? Foi então que um rapaz desceu do carro, já ligado, e perguntou se elas estavam procurando algo. 
Deus está com vocês! Disse o rapaz. Eu tenho aqui a última kitnet para alugar, mesmo assim, por causa de um homem que iria casar e morar aqui, mas terminou o compromisso e com isso, desistiu da locação. A sensação da entrada era de que enfim, conseguiriam resolver a grande agonia que estava em seus corações. A kitnet ainda estava em reforma. O rapaz prometera a entrega em uma semana (por isso a demora da estada dela na kitnet do amigo). E o preço? Sim,mais uma vez colocara as mãos neste lugar... seria razoável. Bem mais atrativo do que as demais propostas recebidas. Tudo feito. Elas voltaram para a kitnet com o alívio estampado no rosto. Lancharam em um triller famoso do bairro e foram repousar os corpos tão prejudicados pelas caminhadas sem rumo.
No dia seguinte acordaram cedo e prepararam os doces para venderem na praça. Vergonha? Jamais tiveram, afinal, estariam trabalhando. E ela precisava mesmo destes trocados para a sua permanência ali.
Tudo o que é bom dura pouco... a segunda feira lembrava que era o momento da mãe retornar para a casa. Ela estava triste, mas tentava demonstrar ansiedade para as aulas. Foram para a rodoviária. Ao longo do percurso, a mãe aconselhava sobre o comportamento. Elas riam, mas sabiam que ambas não queriam essa separação. Era necessário.
O adeus visto por ela fora inesquecível. Parecia uma ida sem volta. Assim que o ônibus saiu de suas vistas ela chorou. Tentou esconder as lágrimas atrás dos óculos escuros, mas elas rolavam. A aula... correu na rua.
O silêncio predominou durante aquela tarde. Poucos conversavam com ela, mas talvez nem fosse mesmo o momento de se abrir. Calou-se. Voltou para a kitnet. As horas passaram. O telefone não deu sossego, primeiro o namorado, depois a mãe. E o dia também havia ido embora. Ela chorava. Pensava em sua vida naquele lugar. Moraria sozinha...mas isso não era problema. O fator de maior emoção era a distância. Não havia mais como voltar...
Ela entendeu (ou pelo menos afirmava que havia entendido) que para se vencer na vida, precisaria mesmo sacrificar-se durante um tempo. Mais exatamente, por quatro anos!
Rezou. 




quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Tudo na vida é uma questão de escolha...


Antes de continuar a minha saga... ou melhor a saga "dela", preciso compartilhar a grande inspiração para a criação deste blog... 
Ela adora fazer aniversário. Para ela, nada mais alegre do que encher a sua casa de amigos, comida farta e decorações que nada condizem com a sua idade (aquela que se consta na carteira de identidade, pois a idade mental, ela se encontra facilmente entre os 15 e 16 anos, quase a metade do que possui realmente). Balões, painel e velas criativas, daquelas que abrem e tocam músicas, compõem o seu dia!
E foi durante o seu aniversário de 30 anos, quando ela toda cheia de confiança afirmava que agora pertenceria ao time das "balzaquianas", que seu amigo lhe presenteou com um exemplar deste livro. Quando ela abriu a embalagem, ficara paralisada. A capa possuia uma grande atração aos seus olhos... sentiu vontade de lamber aquela colher. O amigo, também chocólatra (aliás, bem mais que ela) afirmou sentir a mesma vontade. Riram... 
Meses se passaram sem que ela pudesse apreciar a leitura. Não quer dizer que ela não tenha folheado o livro diversas vezes, mas é que, com a aproximação do final do semestre e, por conseqüência, a entrega de sua monografia, ela tivera que fazer essa escolha: abandonar os assuntos de interesse pessoal e mergulhar fundo aos de necessidade profissional.
Passado o período de stress, choro, raiva, ansiedade e de amadurecimento, ela pôde enfim se prostrar e embarcar na aventura que muito gosta: a leitura!
Deitou-se em sua cama, acomodou o travesseiro. Nada poderia lhe atrapalhar... exceto aos pernilongos, que lhe faziam perder o bom humor.
Páginas e mais páginas... percebeu que faltavam apenas 33 para serem lidas das 422... sim, a leitura é capaz de deixá-la em estado de transe.
Lanchou, escovou os dentes e retornou ansiosamente ao seu quarto. Leu... leu... virou-se para o lado. Parou. Pensou em sua vida. Tudo o que vivera até ali.
Riu sozinha. Sentiu vontade de chorar ao se lembrar dos momentos ruins. Pessoas conhecidas e estranhas circulavam em sua mente. Seus feitos, suas conversas. Tudo estava tão presente. Ela terminou a leitura com mais desejo de comer chocolate, aliás, comera muitos desde que se dispôs a ler este livro...rsrs.
Após alguns segundos, sentiu a necessidade de compartilhar as suas vivências... e eis "Memórias de uma Artista Chocólatra".
Ela não sabe se conseguirá transmitir todos os seus pensamentos, mas fará o seu melhor! Sorriu enternecida. Fechou o livro, observou mais uma vez a capa provocante e dormiu.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

"Que vontade eu tenho de sair, quanta coisa que vou conhecer..." (Carro de Boi-Milton Nascimento)

O dia amanhecera nublado. Sentiu vontade de desligar o despertador, ajeitar a coberta e virar para o outro lado. Esquecer das próximas horas, esquecer do que estaria por vir. Levantou-se, tomou um banho mais rápido de sua vida. Não quis comer, mas sabia que deveria. A viagem seria longa. Sente-se enjoada só de pensar no gosto do remédio Dramin. Seu irmão, sonolento, pede para que ande depressa com as últimas arrumações, a hora estava cobrando a sua atenção.
Desceram a rua sem muita conversa. O coração dela mais uma vez parecia saltar pela boca, afinal, desde que se entendia por gente, não ficara tão longe de casa por muito tempo... e sozinha! Mas respirou fundo, despediu-se rapidamente de seu irmão e entrou no ônibus que a deixaria na rodoviária.
Lembrou-se de que seu estômago estava vazio e assim não poderia permanecer. Pediu um cafezinho e um pastel de queijo (ela nunca se importou com horário determinado para cada tipo de comida, se desse vontade, comeria o que quer que fosse). A chamada para o seu destino. Acabou. Precisava sair da redoma de vidro em que se encontrava e encarar com fé a vida nova que ela mesmo buscara.
Primeira etapa da viagem completa. Parada para o embarque em seu próximo ônibus. Calor. Avistou um freezer de sorvetes Kibon, lembrou-se do tão apreciado Tablito, permitiu-se. Gostava tanto dessa iguaria que achava o cúmulo como as pessoas mordiam o picolé de qualquer jeito, ela não. Sentia prazer em ouvir a casquinha de chocolate branco se partir, logo após a refrescante parte de creme e só assim, mordia com cuidado o pedaço de chocolate ao leite. Olhou para a sua frente e percebeu que havia um rapaz vestindo a camisa da universidade ao qual ela iria se matricular. Com certa timidez (que só lhe aparece em horas impróprias) aproxima-se dele e pergunta se poderia lhe ajudar a chegar ao seu destino, mais do que isso, se poderia lhe indicar com detalhes a localização da entidade. O rapaz prontamente se oferece para acompanhá-la. O ônibus estaciona na plataforma. Entraram juntos. Após as devidas apresentações, descobrem que são conterrâneos e que ainda possuem amigos em comum.
O lado bom de se tornar dependente de remédio contra enjôo é que o principal efeito que ele proporciona é o sono. Profundo e inevitável. Ela pedira desculpa pelas inúmeras "abrições" de boca ao decorrer das conversas, explica-lhe o motivo e logo adormece.
Um cutucão no ombro. O rapaz avisa que chegaram ao destino final. Enfim, um outro lado das Minas Gerais ainda reconhecido apenas por cartões postais e livros escolares de História.
Sol quente e um ceu azul de se admirar. Se ela tivesse em mãos uma câmera fotográfica, certamente tiraria muitas fotos. Mas ainda assim, com todo esse esplendor de paisagem, sua mente girava feito pião. Queria mesmo é retornar. Esqueci de mencionar a participação do namorado dela nesta questão.
Como iniciar este episódio? Poderia afirmar com alegria a sua enorme contribuição para o alcance deste sonho de infância. Poderia. Mas prefiro ser mais realista e identificar aquilo que ela demorara anos (mais exatamente 4 anos) para descobrir: Inveja e Receio. O primeiro sentimento seria explicado pela a sua incapacidade de prosseguir com os seus estudos, sempre justificado pela falta de tempo que o trabalho público oferecia ou pela necessidade de se descobrir a verdadeira vocação. Receio. Bem, esse para mim, para aqueles de boa índole e, principalmente para ela, pode ser considerado o pior e o mais agressivo. Quando duas pessoas se aproximam e decidem dividir momentos de suas vidas, precisam elaborar a chamada "confiança". Voltemos ao que nos interessa realmente.
Picadas de agulhas nos braços. Sofrendo por estar longe de seus entes e ainda passar por isto? Sim. 
Amiga de longa data, longas temporadas nos palcos. Ela se lembrava do convite feito para que pudesse pernoitar em sua casa. A essa altura, o rapaz que a acompanhara até a universidade já se poderia considerar o mais novo amigo. Assim seja. A pequena residência parecia uma casinha de boneca abandonada por uma criança desleixada. Cheirava mofo. Não possuia pia. A amiga, sorrindo, confidencia que lavava as panelas no  apertado banheiro. Eca. O rapaz ficara assustado e transparecia isso para elas. Antes da despedida, ele insiste várias vezes para que ela fique em sua kitnet, pois ele se arranjaria na casa de alguns amigos. Ela já sentira confiança naquele que fora o seu "salvador", mas não poderia negar o pedido tão singelo de sua amiga. Resolveu ficar. 
Noite comprida. Braços doloridos e febre já anunciada pela enfermeira que aplicara as vacinas. Ela lembrou de tudo o que vivera até ali e rezou. Rezou muito. Pediu a Deus para que aquela noite terminasse. 
Amanheceu. O primeiro pão de queijo a gente nunca esquece, disse a amiga. Comeram com vontade. 
Ela só queria voltar para casa. E assim fez. Mesmo sabendo que essa volta seria desfrutada por poucos dias, pois suas aulas começariam em breve.
A viagem de volta fora mais rápida, pensava ela.
Melhor do que estar em casa é estar em casa e comer largos e deliciosos pedaços de bolo de chocolate! Seja feita a sua vontade... Amém.

Era uma vez um sonho...

O ano era 2007... com o coração batendo a mais de mil (como dizem) ela caminha em direção ao computador de sua amiga de infância. Os passos eram lentos e desanimados. Um contraste pleno. Os amigos rodeavam como cães farejando alimento saboroso. Ela rezava. Pensava em seu pai... não queria mais o que tanto desejava por anos! 
Pensava em quantas pessoas estariam felizes e ansiosas por aquele momento. Ela queria mesmo acabar logo com aquilo tudo. Eis que o site se abre... quão foi a sua surpresa (ou desilusão?) ao ver o seu nome na lista dos aprovados. 
Festa ao seu redor. Mas naquele exato momento, ela só queira correr. Correr e gritar. Não podia ser... e agora?
Lembrou-se novamente de seu pai. Certamente ele iria depressa telefonar aos parentes mais próximos e revelar a grande notícia. Não contente com isso, iria à barbearia ao lado de sua casa e contaria aos amigos que sua caçula havia passado no vestibular de uma grande universidade, e como não destacar "federal".
Ela volta para a casa com um nó na garganta, sua mãe cantarolando no banheiro. Como anunciar? Esperar o contato dos olhos ou jogar a notícia e sair andando? Sair andando... contou e logo foi para o quarto ver televisão... ou fingir que via. 
Mais festa. Agradecimentos a Deus por essa conquista. Ela sorriu com muita má vontade, talvez por consideração ao enorme esforço que essa senhora (sua mãe) havia feito durante toda a sua vida em prol de um futuro digno aos seus filhos.
Ela queria mesmo correr. Mas não pôde. Comemoraram com uma grande porção de strogonoff de frango no prato. Ali estava o grande divisor de água... ali... o mês era Agosto (mês do desgosto, ainda citando a expressão popular). Não conseguira dormir aquela noite. Rezou. Um novo tempo... um novo lugar... uma nova chance de encontrar a tal da felicidade. Rendeu-se ao seu grande prazer... comprou e logo devorou uma caixa de Bis! 
Vai passar... tudo passa!