domingo, 27 de novembro de 2011

A arte de encontrar espaços...




Dias e noites passam ao seu redor sem que ela notasse. Aquele novo espaço de habitação a tornava menos observadora. Ela seguia uma rotina impecável: levantava, seguia rumo ao trabalho conseguido graças ao seu poder de provocar no próximo a compaixão, almoçava gratuitamente com os outros estudantes e frequentava com disciplina as aulas.
Era isso e nada mais. Apesar de agora ela possuir mais conhecimento de possíveis lugares para o seu entretenimento, ela não queria e nem podia se dar ao luxo de se divertir naquela cidade. Não, isso lhe causaria uma estranha culpa (mais tarde solucionada). 
Semanas de entregas de trabalhos eram as melhores, segundo ela. Sua mente se esvaia nas questões a serem analisadas e em todo o texto a ser escrito, que sempre, sempre mesmo, entrega com extrema competência os relatórios no prazo determinado pelos professores. As suas adversidades com os colegas de salas esbarravam neste sentido, como a sua vida era a oposta aos demais, não sentia o menor problema em cumprir as metas acadêmicas!
Entre cochichos e piadas, lá estava ela. 
Mas houve um dia em que a sua presença (não que ela se sentisse excluída ou algo assim) fora notada por muitos destes piadistas e " artistas rebeldes". Neste dia a sua fúria veio a tona! Com muito esforço e dedicação, ela conseguira responder algumas questões propostas por um certo professor duvidoso. Duvidoso por seu caráter, por sua postura arrogante em sala de aula e mais ainda, por sua capacidade de não explicar o conteúdo.
Ela se encaminha para o seu assento. Todos conversam ao seu redor. Olhos arregalados e alguns desistentes se retirando da sala pela incapacidade de concluir o questionário. Um rapaz (daquelas pessoas que se tornam facilmente seus amigos, sabe?) se aproxima dela e a pergunta se ele poderia, com outras palavras, copiar o seu trabalho. Ela não queria entregar o jogo assim de graça, mas, como descrevi anteriormente, o docente responsável por esta disciplina sentia enorme satisfação em humilhar aqueles que ele reconhecia como "mais sensíveis". E de repente ela estava ali, com a oportunidade de suavizar outra vida além da sua. Assim, ela propôs ao colega que cuidasse bem de suas folhas (elas se tornaram valiosas pela falta de preenchimento dos demais) e que ele não deixasse mais ninguém observá-las!
Sentiu sede do seu líquido precioso e se dirigiu até a catina mais próxima. Ao retornar, ela é surpreendida com uma cena que não estava em seu planejamento: suas folhas foram reconhecidas por ela em mãos medíocres! Ahhhhhhhh, pensou ela. Como assim?
Respirou fundo. Não alterou o volume de sua voz, mas a forma que optou surtiu mais efeito... segurou firme o braço do colega e exigiu que ele lhe devolvesse naquele exato momento o seu questionário, pois, avisara a ele que as informações contidas ali eram pessoais e que, se a grande maioria da sala as copiassem, logo estariam todos encrencados. Seus olhos saíram faíscas, como mais tarde lhe revelou o colega. E ele, com seus lindos e profundos olhos azuis, parecia querer carregá-la no colo para contribuir com a busca da calma.
Ela não podia acreditar na capacidade de esperteza humana e ainda mais, por pessoas que até ali, nunca se renderam em chamá-la para dividirem suas vidas e/ou seus momentos vividos naquele lugar.
Em meio a esse furacão de sentimentos, eis que a soberania (pelo menos na memória do abestalhado docente) alcança em cheio a sua cadeira para dar início ao seu trabalho. Olhos apreensivos. Olhos segurando lágrimas de ira. Olhos... olhos vermelhos de quem fez algo antes de estar ali. Olhos azuis a fitavam apavorados. Ela, sem querer olhar, imaginava a verdadeira guerra que aquele docente iria armar ao seu redor. A sensação era de solidão. Nada mais poderia fazer ali. Queria chorar, bater, soltar em bom som alguns nomes nada decentes para uma moça bem educada.
O professor, impaciente com a sua carreira ou sabe lá com o quê mais, começara a indagar a todos sobre as benditas (e cabulosas) questões pedidas. O coração da moça dava pancadas... sentia sua veia do pescoço (nessas alturas ela nem se lembrava dos nomes corretos). Meia rodada de respostas (todas muito, mais muito idiotamente parecidas) e o docente não teria a menor dúvida: meras cópias!!! E nada mais ridículo para uma sala de aula ouvir um ser humano que se julgar superior aos demais. Ela queria agora possuir uma poção que fizesse aquele homem horrendo se tornar pó... logo em seguida, ela usaria uma outra para que esse pó adquirisse brilho... se é que podem entendê-la.
O rapaz de olhos azuis estava inconformado. Na verdade, ele nem possuía tanta culpa assim... pegaram as folhas em um momento de sua ida ao banheiro e demais afazeres. Pedia desculpas e se calava, com as mãos no rosto. Atônito com as reações de raiva controlada da moça. Ela respirava cada vez mais fundo e olhava. Pensava nas horas desperdiçadas, pensava na ação descabida daqueles incompetentes que nem sabiam ao certo a razão de estarem ali. 
Resolvido o dilema. Nada daquilo valeria pontos e o docente marcara outro tipo de avaliação. O horário de término da aula chegou e tudo o que ela queria era sair dali. O rapaz de olhos azuis, muito sem cor, pede a cada momento as mais variadas formas de desculpas. Ela, antes de se retirar, expressa em alto e bom som, que aquela seria a primeira e a última vez de semelhante situação. Disse que poderia até mesmo fabricar trabalhos para aqueles da fuzaca, desde que fossem seus companheiros no dia-a-dia. Para aqueles que a ignoravam, serviria apenas um leve e sem empolgação: Bom dia ou Boa tarde.